terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Alguns incômodos

Durante longo tempo acalentei a ideia de voltar a morar em Licínio de Almeida depois de fazer minha carreira acadêmica. Para isso me preparei. Me graduei em letras e depois me tornei especialista em Educação por uma das mais respeitadas Universidades federais deste país, a UFF (Universidade Federal Fluminense) e agora estou concluindo um mestrado pela não menos conceituada UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), mas a desmotivação para o propósito tem frequentado minha mente. Sou um ser político e para isso estudo a política como analista que quer entender os fatos desta arte desenvolvida desde a antiguidade clássica. Em Licínio me deparo com alguns absurdos (que aliás não são privilégios só desta cidade, mas de boa parte do país)e diante dos posicionamentos, percebo que eu não caibo nesse realidade configurada aqui. Registro alguns incômodos que me levaram a chegar a esta conclusão. A solidariedade é hoje esquecida e o que vale é levar vantagem sempre. Digo isso porque não consigo achar normal que uma pequena parcela da população (eu diria pequeníssima!) concentra a renda e as riquezas enquanto uma parcela consideravelmente grande, que são os pobres da cidade, continuem tão sem perspectiva! Claro que essa é uma regra quase generalizada em nosso país, que institucionalizou e normatizou a corrupção, mas é lamentável ver que alguns ainda se arvorem a defender este modelo cruel de apropriação do público pelo privado. Aqui não correrei risco de acusar sem provas, mas a título de comparação, me questiono como algumas pessoas que até bem pouco tempo eram simples cidadãos e hoje ostentam materialidades que julgo incompatíveis com a capacidade real de seus salários. Sou professor da rede municipal do Rio de Janeiro, tenho um salário relativamente bom, (comparado ao que se paga aos professores por aqui!)e apenas consigo pagar minhas contas e o patrimônio que adquiri ao longo de 14 anos de carreira foi um apartamento que paguei às custas de muito sacrifício.(certamente como faz qualquer profissional de lá do Rio do daqui, que vive do seu salário honestamente.) Aqui casarões são erguidos e carrões sofisticados dão o novo status quo dos poderosos de plantão. Mas a capacidade com que o poder político trata a inteligência dos cidadãos é uma afronta. Vou pegar como exemplo a placa da "construção da praça Gado Bravo", um convênio do município com o Ministério do Turismo, cuja cifra beira os oitocentos milhões para a construção da referida praça aqui na Lagoa e eu pergunto ironicamente se esse valor foi pago a São Pedro, porque a única coisa de concreta que aconteceu em dois anos de uma obra anunciada, foi a lagoa ser esvaziada para construção do asfalto (crime ambiental) e depois enchida pela chuva. Como se vê, ambos com colaboração de fenômenos naturais: A seca e depois as chuvas. Entretanto, pouco ou quase nada a esse respeito se fala; mas ouço com frequência falas (de diversas pessoas) com o discurso da criminalização dos que são vítimas da marginalização. Muita gente boa tem me perguntado porque eu ando com pessoas consideradas inapropriadas para o convívio (geralmente porque são desempregados, sem dinheiro, que moram em bairros pobres da cidade, são negros e pobres, em resumo) já que para estes aquelas outras pessoas deveriam eram estar presos por denigrem a imagem da cidade, por seus furtos, envolvimento do drogas e alcool, etc). Ora, sem hipocrisia, serão eles os maiores larápios do patrimônio público desta cidade? ou seriam as vítimas da falta de políticas públicas que os inclua num modelo mais justo de distribuição de rendas e inclusão? Outro incômodo é ter que ouvir absurdos sobre a questão da sexualidade (questão que me é cara e que estudo profundamente no mestrado). Ouço por exemplo pessoas dizerem que não tem preconceito, que até convivem com gays, que aceitam, numa clara posição de subalternização das relações. quando alguém me diz isso, fica evidente que ela se coloca num patamar de superioridade e que portanto, está dando uma concessão, "que aceita, tolera, etc" mas luto exatamente para colocar as relações num patamar de igualdade e não de subserviência.Vejo a mineração com perspectivas de explorar minérios por "mais cinquenta anos), mas não vejo nenhuma discussão sobre o legado de problemas ambientais que teremos. sem falar que a empresa quase não gera empregos para o município (me corrijam se eu estiver errado). Qual a preocupação com a preservação de nossas nascentes, com o curso de nossos rios? Onde está o cumprimento da determinação constitucional de responsabilidade com os resíduos sólidos e com o fim dos lixões? Posso estar um pouco decepcionado com o meu propósito e hoje reforço minha ideia de concluir a carreira acadêmica, indo para o doutorado, não para ostentar o título de doutor (muito comum aqui por pessoas que nem especializações fizeram, que dirá doutorado!), mas para ver se encontro instrumentos para me motivar a voltar a me interessar por este nosso pedaço de chão, construindo um futuro melhor, não só para mim, mas para o coletivo, pois podem me chamar de utópico: sou socialista. Pela primeira vez em muito tempo, estou desmotivado e triste com o futuro de Licínio. Vejo com muita tristeza o tratamento dado pela polícia aos pobres desta cidade (com demonstrações vistas por mim, de desrespeito aos direitos cidadãos e aos direitos humanos em abordagens com resquícios de práticas da época da ditadura). Estou profundamente triste com a acomodação popular diante dos desmando políticos, mas como diz o velho ditado: cada povo tem o governo que merece. Pagarei com certeza o preço de minhas considerações, com a inaceitação de alguns, a incompreensão de outros e o enfurecimento de alguns privilegiados deste sistema perverso que transforma alguns em vilões (que julgo vítimas) e valoriza os verdadeiros algozes. Lamentavelmente fico querendo colocar em pauta discussões que julgo pertinentes, mas a hipocrisia e a inversão de valores são a hegemonia e lutará incansavelmente para que esta pauta jamais se evidencie. Só não quero é perder a coragem de continuar lutando, ainda que cada vez mais sozinho!

2 comentários:

Luiz Miguel disse...

Hiller, seu texto é um exemplar de lucidez, moldado a partir de modelo social colaboracionista e inspirado na origem do processo civilizatório, na base do pensamento ocidental que seguimos como modelo, guardando as devidas proporções, até nos dias atuais. O eco de suas palavras visita o triunfo do logos, no entanto alguns entes - e são muitos- insistem em se manterem surdos com o propósito de permanecerem usufruindo de uma posição conquistada pelo poder (?) do povo, para usurpar aquilo que é do povo em benefício próprio. A barbárie está sinalizando que é ela que tem a senha do cofre e por conseguinte da ultima palavra e utiliza isso em seu benefício. E creio que todas as benesses oriundas da corrupção por parte dos bárbaros são aceitas e abençoadas pelo deus de origem bárbara. Essa é uma tendência se espalha e cresce a cada dia, textos como o seu ilumina e alerta para o caos que estamos testemunhando. E la nave va…

Anônimo disse...

Infelizmente isso acontece em nossa cidade e garanto que poucos vêem isso, mas o que mais me impressiona é o "puxa saquismo" que existe entre as pessoas, decorrente justamente pelo bens materiais que as mesmas possuem, não sou muito otimista com relação a essa situação, mas creio que a luta não para, minha parte ou a sua, ou a de alguns pode fazer a diferença, mesmo que pequena!!!

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